Possibilidade de alteração no Supremo pode ser semelhante a comportamentos típicos de ditadores militares
Na última semana, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), deixou no ar a possibilidade de aumentar a quantidade de ministros no Supremo Tribunal Federal (STF). “(…) Se você aumenta o número de ministros do Supremo, você pulveriza o poder deles, eles passam a ter menos poderes e lógico que não querem isso”, disse o governante, durante participação no podcast Pilhado. Entretanto, dias depois, ele recuou da ideia e afirmou em entrevista coletiva que a ideia era criação da imprensa: “vocês é que inventaram isso”.
Independente da concretização da ideia, ventilar tal alternativa “serve como um perverso meio de controlar não só o STF, mas também todo o Poder Judiciário”, segundo o advogado Alan Kardec Cabral Jr., em entrevista para o Jornal Opção. De acordo com o professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Faculdade Sensu, tal atitude pode comprometer a independência dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário): “É uma patente tentativa de corroer a democracia”.
Alan Kardec ainda destacou que essa possível alteração na quantidade de ministros do Supremo pode ter várias semelhanças com situações práticas por regimes antidemocráticos. Um exemplo citado pelo professor foi na Venezuela.
No país vizinho, em maio de 2004, o ditador Hugo Chávez conseguiu realizar um golpe contra o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que tentava desde 1999. Na época, o líder venezuelano aprovou uma lei para acelerar o afastamento de ministros que não seguissem o “chavismo”, além de aumentar o número de membros de 20 para 30 (depois para 32 em 2005).
Basicamente, Chávez conseguiu povoar a Corte Suprema venezuelana com aliados e fez perseguição política com opositores. Fora que a aprovação da lei foi questionável, segundo a Constituição do país, já que deveria ser aprovada como maioria qualificada (⅔ dos votos da Assembleia), mas passou com a maioria simples (metade mais um). Ou seja, no fim das contas, um golpe de Estado.
STF na Ditadura Militar
Sem precisar ir muito longe, o professor trouxe também o exemplo do STF durante a ditadura militar brasileira. No qual, assim como na Venezuela, houve ataques ao órgão de cúpula do Poder Judiciário.
“Na época sombria da ditadura, o STF sofreu golpes enfáticos dos ditadores. Ainda que nunca fechado, os militares ampliaram de 11 para 16 o número de ministros (Ato Institucional n° 2, em 1965), além de cassar três ministros (Ato Institucional n° 5, em 1968). Por conta da cassação, outros dois ministros pediram aposentadoria como forma de protesto. Assim, de uma só vez, retiraram cinco ministros do Supremo”, explicou o mestre em direito pela UFG.
O docente também destacou que tal “reforma” coincidiu com a proibição de julgamento de habeas corpus, uma medida judicial eficaz na garantia da liberdade de ir e vir dos cidadãos. O que, segundo ele, tirou a competência da Corte em proteger garantias e direitos fundamentais, a desculpa de que os ministros estariam concedendo liberdade a “criminosos comunistas”.